quinta-feira, março 04, 2004

Contenção de hospital

Uma paciente está deitada numa cama de enfermaria. Sofre de um cancro que lhe rompe as entranhas.
As dores são insuportáveis. O estômago não aguente comida alguma. Muitos dos dias, nem água lá cai sem provocar vómitos, que tanto são imediatos como surgem do nada, no meio da noite. Quase não consegue dormir.
A vontade de viver dá-lhe um rosto que em nada espelha o que lá vai dentro, seja acima seja abaixo do pescoço.
Os médicos esforçam-se por lhe dar a qualidade de vida possível nas circunstâncias. Ora o soro com analgésicos capazes de adormecer um elefante, ora um suplemento alimentar de aspecto aleitado - que não sei do que é feito mas recorda o eterno retorno à meninice. Tal suplemento é doseado por uma máquina de ar moderno. É feita uma transfusão de sangue que desintoxica e lhe devolve alguma cor de vida.
Um tubo que lhe chega ao estômago drena constantemente tudo aquilo que já não pode sair de outra forma, porque os intestinos funcionam, sim, mas sofrem de obstruções. Tem um saco para a defecação, directamente ligado ao intestino. O ânus já não funciona.
Enfim, há cuidados - e também descuidos. Mas não fazem esquecer a degradação humana a que todos podemos chegar.
Um dia, pela manhã, o médico, atencioso, faz a visita regular. Verifica todo o equipamento e o cumprimento de todas as medidas médicas que ordenou. Tudo está como devia de estar, e o sofrimento da paciente é aquele que já não pode ser aliviado.
Vinha acompanhado de um gestor hospitalar. Este, no cumprimento da sua função, profere a seguinte frase competente: "Mas é preciso isto tudo?".
O que terá pensado a paciente, que o ouviu?
É repugnante.