quinta-feira, janeiro 29, 2004

Prisma, Outro

Desta vez foi a trágica morte de um atleta, melhor: de um atleta de futebol. Melhor ainda: de um atleta de futebol do Benfica. Muito melhor ainda: da morte de um atleta de futebol do Benfica em directo pela televisão e rádio. Outros casos existiram no desporto: a do jovem atleta estudante de medicina que morreu a treinar basquetebol, mas este, desgraçado, teve direito a uma notinha de rodapé. Outros ainda da gaveta do passado. E tantos outros anónimos: centenas.

A morte e a fraca condição humana. Não somos nada. Isto não vale nada e depois morre-se. Chora daqui, chora dali. Flores para aqui, flores para ali. Tudo como todos viram, a não ser que tenham viajado até ao Tuvalu num instante. Mediante a marca Benfica e potenciado pelo ópio televisivo descambou na masturbação colectiva dos nacionais-coitadinhos. Em causas externas à sua existência encontram sempre consequências justificativas da sua medíocre acção no mundo.

Recentemente até apareceu um comentador (um desses «paineleiros» de profissão), que sinceramente já nem me lembro quem era, a dizer que o país estava triste, desmoralizado (e todos aqueles adjectivos com que nos gostamos de rotular), porque o «Benfica não ganhava o campeonato desde 1993».

Agora foi o inefável presidente das águias a encetar lágrimas de crocodilo afirmando que «existe vida para além do Benfica» e eventualmente estará a prazo na (sendo-assim-fraca)-liderança.

Ora aqui está um verdadeiro rato de porão!, que ao mínimo cheiro da pólvora das adversidades clama pela salvação. Num momento em que deveria invocar uma força extra-humana toma o caminho mais fácil e congrega-se à sociedade padreca que daqui por seis meses já se esqueceu.

[Lembram-se sim de chatear o vizinho do lado com situações mesquinhas. Lembram-se sim de conduzir a cento e oitenta sóbrios e alcoolizados. Lembram-se sim de pensar que Portugal é pobre e daqui não passará. Lembram-se sim de imaginar que a Alemanha ou a França ou o Japão são ricos por natureza. Lembram-se sim de fugir aos impostos. Lembram-se sim de não saber ler nem escrever Português. Lembram-se de tudo menos daquilo que podia importar.]

A grande questão não está no referido e exemplar rato de porão: este é evidentemente caricatural. A grande e outra questão é a lusitana e seus ratos de porão que todos os dias pululam entre nervosas e infindáveis questões. A misteriosa identidade nacional de uma populaça orgulhosamente ignorante: herdada, aprendida, assimilada, aculturada quer pela preguiça quer pela derrota antecipada.

Pois que é fantástico ser Português mas dificílimo aguentar Portugal: a grande tragicomédia Lusitana.