terça-feira, junho 29, 2004

Sim, pai, eu espero

Várias questões se colocam, naturalmente, a propósito da migração do Cherne para águas mais propícias à procriação:
- se é ou não uma decisão pessoal que beneficia o país;
- se é ou não um momento de prestígio nacional que vale a pena não perder;
- se, além do plano pessoal, a decisão de Durão Barroso é (ou devia ser) uma verdadeira decisão de um Primeiro-Ministro;
- se deve ou não haver eleições antecipadas;
- se A é melhor que B na sucessão ao trono;
- se Portugal ganhará à Holanda;
- se etc.
Não há dúvida que aquelas que mais têm merecido a atenção da massa são a da sucessão, das eleições antecipadas, e da Holanda. E todas elas têm sido enquadradas a propósito de uma ideia tão necessária quanto – do meu ponto de vista – distorcida: a democracia.
Freitas do Amaral apela ao Presidente da República para que não entregue a democracia aos partidos, convocando eleições antecipadas. Outros, afirmando que democracia é estabilidade (e que essa está nos que lá estão), apelam à conclusão da legislatura, porque as pessoas já colocaram as suas fichas nos partidos nos idos de 2002.
Com o devido respeito, no que toca a essa matéria, qualquer das soluções sempre será uma ode à partidocracia: (i) a convocação de eleições antecipadas, se devolve aos cidadãos uma palavra momentânea, será o pontapé para uma movimentação partidária tão extenuante, e já tão condicionada ... (não sei se neste momento não daria razão a Rousseau quando afirmava que os ingleses tinham a ilusão de ser livres porque votavam, quando na realidade essa liberdade momentânea, por isso mesmo, era a sua própria negação); (ii) a não convocação de eleições antecipadas deixa no ar o problema da legitimidade de um novo PM, sabendo-se o que são hoje as eleições legislativas, e que a margem de manobra do PR frente ao(s) partido(s) do governo(s?), embora seja considerável em termos estritamente constitucionais, é extremamente condicionada pela posição dos partidos políticos (recorde-se, as únicas entidades ou agrupamentos que podem apresentar candidaturas nas legislativas, ao contrário do que acontece nas eleições autárquicas).
Seja como for – e aparelhos partidários momentaneamente à parte – creio que tem sido a questão do sucessor que pautado todas as outras.
Mas democracia não é essa ideia singela pela qual todos parecem lutar enquanto a criticam no fim da frase.
Põe-se a notícia a correr. Espera-se uns dias. O PR irrita-se. Comunica-se, finalmente, ao país o que toda a gente já sabia: ah!, mas agora é formal, tem outro valor. Qual? Apressa-se o partido a passar a ideia de que, a final, isto vai demorar mais tempo a resolver do que o previsto. Mas descansem, está tudo a correr normalmente e a ser tratado: “nós somos uns tipos responsáveis e tratamos de tudo – inclusive de vocês”.
Caramba! Mas o que é isto? A quem pertence este país? As pessoas têm o direito de saber, claro ... mas não podem saber ainda. Porquê, pergunta-se? Bom, em rigor porque ... ainda não há nada para saber. Não há negócios, não fui contactado por ninguém mas estou disponível para assumir as minhas responsabilidades, não digo que não sei de nada mas quase, a Holanda é um inferno verde e à volta há vacas (esta do Herberto Helder é a única que consigo respeitar).
Esta bandalheira democrática é demonstrativa do que todos os dias sedimentamos nas nossas almas: as consciências regedoras do poder não ultrapassaram o medievo; e os servos da gleba ainda vivem na ilusão de já não ter dono.
Porra que estou farto disto.

(segue – quando tiver tempo para escrever menos e estiver mais descontraído)