quarta-feira, setembro 24, 2003

Itinerário

Conduzindo o automóvel vagueio pela cidade do Castelo Encantado em busca do caminho que penso ser o correcto. Não existe mapa que nos possa guiar nesta cidade desconhecida, há que confiar no nosso próprio instinto. Já ando nela vai para dez anos e ainda não cheguei ao destino que quero!, nem consigo encontrar lugar para estacionar, os parques subterrâneos e demais parquímetros estão lotados! Além disso é preferível colocar o carro no primeiro, uma vez que no segundo é de permanência curta.

Existe para além do mais um problema de sinalização e simultaneamente decorrem eternas obras na cidade, o que dificulta a movimentação. Ademais a minha errónea condução: mais habituada a fazer todo-o-terreno abrupto!, ora isso na cidade é pouco exequível. Sendo assim, como é, lá vou tentando discorrer o melhor percurso para a morada sonhada.

Quando estou na Rua da Escolhida e quero entrar na Avenida da Compreensão das Mulheres aparece um sinal de proibido que me obriga a virar para o Beco dos Desolados. Neste o trânsito é intenso e perde-se um bocado de tempo até se chegar à Praça dos Solitários: esta é interessante pois assume na teia urbana da cidade algum destaque convergindo para ela muitas ruas, avenidas e alamedas...ele há cada Arquitecto Urbanista mais engenhoso!

Contorno a rotunda na Praça dos Solitários (nesta está uma estátua do Fernando Pessoa!, imagine-se!) e o maior problema nesta às vezes é sair: dei mais de trinta voltas até conseguir!...e julguei que quase me acabava o combustível quando reparei que o automóvel se movia a lágrimas: de felicidade e de infelicidade. Perdido nos pensamentos sobre o arrojo ecológico da Cidade Encantada, acelero pela Avenida Dora Maar o mais depressa possível pois esta lembra-me o olhar da que me faz estar perdido na cidade...

Olhando para os passeios quando o sinal está vermelho, vejo algumas Dominadoras de mapa numa mão e de chicote na outra: assustado tranco as portas do carro. Afinal existem mapas!, mas é melhor continuar procurando o itinerário sem ele...embora mais difícil e imprevisível dá um retorno mais agradável. O problema por vezes é antes de conseguir dar com a Avenida Véu e Grinalda (uma das várias que dão acesso ao Castelo Encantado) é sermos caçados por uma destas bárbaras dominadoras...

(continua, pois claro)

terça-feira, setembro 23, 2003

Nuvens

«No dia triste o meu coração mais triste que o dia...
Obrigações morais e civis?
Complexidade de deveres, de consequências?
Não, nada...
O dia triste, a pouca vontade para tudo...
Nada...
Outros viajam (também viajei), outros estão ao sol
(Também estive ao sol, ou supus que estive).
Todos têm razão, ou vida, ou ignorância simétrica,
Vaidade, alegria e sociabilidade,
E emigram para voltar, ou para não voltar,
Em navios que os transportam simplesmente.
Não sentem o que há de morte em toda a partida,
De mistério em toda a chegada,
De horrível em iodo o novo...

Não sentem: por isso são deputados e financeiros,
Dançam e são empregados no comércio,
Vão a todos os teatros e conhecem gente...
Não sentem: para que haveriam de sentir?

Gado vestido dos currais dos Deuses,
Deixá-lo passar engrinaldado para o sacrifício
Sob o sol, álacre, vivo, contente de sentir-se...
Deixai-o passar, mas ai, vou com ele sem grinalda
Para o mesmo destino!
Vou com ele sem o sol que sinto, sem a vida que tenho,
Vou com ele sem desconhecer...

No dia triste o meu coração mais triste que o dia...
No dia triste todos os dias...
No dia tão triste...»

[Álvaro de Campos]

PS. Mais uma que se encerrou no meu cemitério de raparigas...má sorte eu ser eu...

quarta-feira, setembro 17, 2003

Facto Político Nacional

Acabou por aparecer o cão «querido, simpático e esperto». Só espero que o Hotel Carlton não mande nenhuma factura anexada à factura dos noivos...pois se o bagageiro não quis nada, a cadeia de Hotéis Pestana já não pensará de forma semelhante!

Coitadinho do Gastas por essa selva fora perdido: rufias de rua apoquentaram-lhe o pelo mas, que emocionante, encontrou uma cadelita de que se enamorou (qual Dulcineia de Toboso) e decerto qualquer dia será pai anónimo...

O país não dormiu em sobressalto com este desaparecimento: era outro complot para desgastar o dono. Uma cabala desconhecida interna ou externa. Afinal Gastão, tu só querias conhecer o país real dos cães rufias de rua e das cadelas ciosas. Quiseste um tempo para ti. Nós compreendemos!

Só gostava de saber por que toda esta história foi transformada em facto nacional e relevada para capas de jornais?

Pasmo.

terça-feira, setembro 16, 2003

Faro Político

Terá sido falta de faro canino o que provocou o desaparecimento do Gastão?, ou este coitado também abandonou o seu dono como outros de fila também já o fizeram?

sexta-feira, setembro 12, 2003

Vontades

a) Os meteorologistas: nova vaga de calor vai assolar Portugal, a temperatura vai subir;

b) Os jornalistas: os incêndios podem voltar;

c) Os bombeiros: homens e meios estão totalmente alerta e a postos;

d) Os incendiários: o melhor é fazer a vontade a estes tipos;

e) Portugal: arde novamente.


quinta-feira, setembro 11, 2003

Maluquices

Ontem no Telejornal ou no Jornal da Noite, não posso precisar qual deles, fiquei chocado com as declarações de um professor do ensino secundário, dos seus 35-40 anos. Este lente dos bancos de escola foi um dos que visionou as famosas cassetes sobre os 25 anos do 25 de Abril, em que para além do mini documentário, haviam igualmente imagens pornográficas (alegadamente com actores maiores de idade).

Disse o dito senhor professor que «ficou chocado...imensamente perturbado...com a dupla penetração vaginal que visualizou» (sic) a ponto de «ter mantido aconselhamento psiquiátrico durante algum tempo» (sic) a fim de ultrapassar tal violência.

[Depois de ver o Salgueiro Maia ou o Vasco Lourenço nos chaimites...aparecer uma coisa daquelas não deve ser fácil...!!!]

Quem ficou chocado fui eu com declarações deste tipo. Não sou um especialista em filmes daquela estirpe cinematográfica mas gostava de saber quem nunca viu filmes pornográficos na vida? E destes que viram quem ficou chocado a extremos de ter que visitar o psiquiatra? A prática sexual que o dito senhor professor visualizou não é propriamente uma cena que a Abelha Maia praticasse, mas, para todos os efeitos trata-se de um filme!, e tecnicamente de actores e actrizes.

Bem sei que incluso numa cassete errada: contudo essa não é a questão que quero realçar. Quando tinha a idade dos alunos do dito senhor professor também andava na moda filmes como «Elas e os Animais» e bem poderia ser mais chocante para o senhor professor: no entanto para nós aquilo tratava-se de puro devaneio próprio da altura. Penso que igualmente não ficamos perturbados para todo o sempre. A ver vamos.

Como é possível pensar-se em introduzir Educação Sexual nas escolas nacionais quando alguns professores têm arrepios de vário género? É claro que não é com filmes daqueles que se promove a educação sexual, mas a ideia que fica é que os miúdos têm mais conhecimento das coisas que certos graúdos (para além do mais com responsabilidades formativas), e aquela história da semente colocada no ventre da mulher só pode provocar toda a máxima chacota aos petizes.

BSA

Actual

"... [a] perversão máxima do nosso tempo, a de haver pessoas que sabem comportar-se como se tivessem sentimentos."

(Arno Gruen, A Loucura na Normalidade, Assírio & Alvim)

sábado, setembro 06, 2003

Afro-Ritual

No «diário independente da manhã» atentei numa pequena nota: «Una keniana se mutila el clítoris ante la presión de sus suegros». Esta queniana de vinte anos de idade teve que efectuar tal mutilação genital pois, segundo a crença da sua tribo, tal facto protege as jovens de doenças como a Sida. Igualmente sem a prática deste ritual as mulheres são consideradas como inúteis para a sociedade, sendo apelidadas de mukenye.

Não contesto as tradições populares de qualquer povo africano, embora seja contra estas práticas. No entanto uma certeza tenho: a mutilação genital masculina irradicava de vez o alastramento de qualquer doença...embora claro com outras consequências.

Jornaladas

Após umas produtivas deambulações por prussianas paragens regresso à actividade blogueira! Todavia a ausência não se fez notar pois a tripulação periscopal primou pela excelência porquanto as coordenadas cada vez se acertam mais. Vale!

Constantei outra vez a complexidade da fáustica língua e, por essas terras, não paradoxalmente, de novo encontrei-me com satisfação com o «diário independente da manhã», que de Madrid difunde a sua informação castelhana e sempre era mais prático que o remanescente zeitung.

Nesse observei deliciado que da secção «opinião» apenas estão reservadas duas simples laudas e todo o restante papel está reservado à «informação» variada, sendo esta de muito bom calibre. Parece básico aquilo que digo: mas reparem na quantidade de páginas que os jornais lusitanos têm de pretensa verborreica opinativa. Pois que esta está reservada apenas aos blogueiros!, não aos jornais nacionais!

Pequena tarefa: escolham um dia e comprem jornais em formato papel. Comprem o Público e o Diário de Notícias e depois comparem-nos nesse dia com o El Pais, o Le Monde, o The Times e o Frankfurter Algemeine Zeitung. (A escolha foi aleatória e parcial e não implica qualquer tendência, existem dezenas de jornais mais). Vão decerto verificar, para infelicidade nossa, que algo está errado. Depois digam-me se não concordam.

quinta-feira, setembro 04, 2003

Breakin' News

No Inverno de 1999/2000, morreram em Portugal 5 pessoas devido ao calor.
Os números podem subir, todavia, já que apenas 20% das certidões de óbito foram analisadas até ao momento.
Fontes do Ministério da Saúde revelaram que da equipa de 5 pessoas encarregues dessa análise, 4 morreram este verão devido, novamente, ao calor intenso.
Assim, revelou a mesma fonte, com elas pode ter morrido a verdade e também uma perspectiva global sobre a questão. A quinta pessoa, viva, anda a monte. O Ministério da Saúde oferece uma recompensa pela sua captura.

quarta-feira, setembro 03, 2003

Primeira Carta ao Povo

Hoje, pela manhã, enquanto em frente ao espelho lutava com o nó de gravata que todos os dias se repete – todos os dias se repete -, lembrei-me do meu diário. Há alguns meses que antes de me deitar nele deito pensamentos que não pensava em pensar. E hoje já não passo sem esse momento.
Na minha luta matinal vi uma nódoa na dita gravata, e em vez de, maquinalmente, atrasado, escolher outra a condizer, gelei. Gelei porque sentia a garganta apertada e ainda nem tinha ajustado o nó. Era o mesmo aperto que sinto quando me sento no topo da mesa do Conselho e oiço o rol dos incêndios, do défice, dos Melos (bem, não oiço o nome, propriamente dito), dos blindados que é preciso comprar, da renovação dos Audis, da brincadeira de que tenho de apertar a mão ao Bush e fazer as minhas férias nos Açores. Era o mesmo aperto. Foi aí que gelei.
Porque não vos ei-de dizer ? Para mais se não é no Conselho que vou dizer o que quer que seja sobre o meu diário ? Em casa pensam que tenho vindo a desenvolver uma certa queda para as literárias. Que estou melhor, mais refinado, que treino. Sim, eles sabem do diário. Só não sabem da gravata. Ainda não lhes disse e ... a verdade é que só faz sentido dizer-lhes depois de vos contar. É que, em boa verdade, eles já sabem.
É verdade: minto-vos. A todos. Todos os dias vos relato dez por cento de uma realidade como se dissesse tudo sobre a coisa. E tenho perfeita noção de que por isso, em rigor, vos minto, vos conto apenas o horror que interessa, o medo que interessa, a medalha que interessa. Mas e então ? Querem diferente ? Não o suportariam. Querem ouvir o défice todo ? Não há orçamento para isso – a psiquiatria de que precisariam não dá de comer a dez milhões de portugueses. Nem conseguiam trabalhar. Acreditem. É para vosso bem. E porque tenho eu que ser o pio quando até o tipo que vos vende as bolas de berlim no Algarve vos engana ? E com esse não protestam – comem o cremesinho e apostam na esperança de não se borrarem todos. Bem vistas as coisas, faço melhor papel que o papa.
É um facto: não estão preparados para ouvir tudo. Sei disso, essencialmente, porque oiço a TSF de manhã. Pensava que era da gravata mas um dia estava a ouvir o fórum e reparei que ainda não a tinha posto (nesse dia saí mais tarde de casa – o único, aliás, de que me lembro desde há meses porque acto contínuo ouvi risos de criança no quarto ao lado). Não se queixem. Vocês escolheram-me para fazer o papel do outro, e podem estar seguros de que também vou cair da cadeira.
É até cómico: sabem quanto me pagam vocês todos (salvo algumas empresas) para ser cordeiro de sacrifício ? E SABEM QUANTO É QUE EU PAGO AOS TIPOS QUE ME VÃO SACRIFICAR ?
Não se preocupem comigo. A sério. Preocupem-se mas é com vocês e com a família e continuem a participar no fórum. Não me forcem às verdades todas. Não me paguem mais que não é por aí que me convencerão a dizer-vos aquilo que, em rigor, sei que não querem ouvir. Ou pensam que aguentariam a verdade das casas pias sem serem mastigadas pela televisão ? As lutas de audiências fazem milagres pela realidade, realizam-na a e produzem-na melhor que os americanos.
E se alguma vez tal poesia vos passar pela cabeça, é porque chegou a altura de votarem noutro. Nessa altura, vou para a vossa beira. E que o Eterno me dê o castigo de receber mais ao fim do mês, por ordem daquele que, então, serei eu a sacrificar. Como dizia um tipo que começo a entender, que é querem ?... é a vida.

segunda-feira, setembro 01, 2003

Por momentos, imaginem ...

Em Taiwan, território do computador barato, homenageia-se o Presidente tão bárbara quanto originalmente.
Por momentos, imaginem que se iniciava já a preparação de uma homenagem ao presidente a eleger em 2005 (caso o eleito fosse um indivíduo que gostasse de festa, claro).
O QUE NOS PODERIA ACONTECER !? AO QUE PODERÍAMOS ASSISTIR !?
Só duas coisas podem determinar que com tal antecedência se tenha iniciado a temática das presidenciais cá no burgo: (i) a devida preparação da festa; (ii) ou, menos plausivelmente, a busca desenfreada do poder como forma de reacção a uma negação do Eu iniciada na infância, acentuada por situações de sujeição que corromperam o sentimento de responsabilidade.
De qualquer forma, é grave.