terça-feira, dezembro 28, 2004

2004 ou o Ano das Cerejas

Como estamos em tempo de balanços do ano que finda, aqui ficam os momentos verdadeiramente marcantes de 2004. Uns positivos, outros também, outros menos, outros trágicos, não os qualifico, enumero apenas.
2004 foi o ano:
1) da morte de Carlos Paredes;
2) do Provedor para a ortografia do Periscópio-Quatro;
3) do Direito Constitucional;
4) da morte de Sousa Franco;
5) do Duarte;
6) ... e pode ainda não ter acabado ...;
7) da S.;
8) do Paco de Lucia em Portugal;
9) do Direito Constitucional;
10) do Direito Constitucional;
11) da governação;
12) dos jornais da governação;
13) da governação dos jornais;
14) do José Castelo de Paiva;
15) do FCP (aaaarrrrhhhggg!);
16) de Pirescoxe;
17) do Gajo de Alfama;
18) da RTP Memória;
19) da edição em DVD dos Jovens Heróis de Shaolin e do Conan, o rapaz do futuro;
20) da morte da minha avó;
21) da libertação;
... e de tantas outras coisas que, boas e más, são para recordar.
Tenho muita pena de, nesta passagem de ano, não poder estar com Todos os meus Amigos, e a Todos dizer o quanto os Amo. Talvez para 2005 ... talvez à vez.
Aquele abraço

Restaurantes chineses

Se não quisermos saber como são confeccionadas as refeições nos restaurantes chineses - como não devemos querer saber como são confeccionadas as leis que, segundo Bismark, são como as salsichas ... -, não se pode deixar de observar que:
i) Regra generalíssima, o pessoal é simpático, competente, e respeitador do cliente (tanto da sua vontade como do seu à vontade);
ii) São diligentes, práticos, e raramente algo corre à margem do que é suposto;
iii) É barato;
iv) Oferecem um calendário uma vez por ano (apenas um por mesa, é certo, sejam 2 ou 10 pessoas, mas oferecem);
v) Não fazem conversa da treta nem põem a mão no ombro do cliente enquanto este pensa no que vai comer;
vi) Não obrigam o cliente a fazer conversa da treta;
vii) Fornecem uma toalhinha para limpar as mãos no final da refeição;
viii) Costumam ter guardanapos de pano.
É claro que nada temos a aprender com eles; muito menos na restauração, onde temos muito mais tradição! (eles andam nisto à 3.000 anos mas ainda não aprenderam, caramba!)
Uma sugestão para o restaurante chinês perfeito (passe o quase-pleonasmo): sirvam cozido à portuguesa, favas e feijoada (mas mantenham a Tsing-Tao).

domingo, dezembro 12, 2004

Do poder e da disfunção eréctil

Parece que nenhum dos poderes constituídos consegue manter-se vivo, aguentar a pressão da boazona social. Não é mera desistência, mas incapacidade de climax, tentando criá-lo através de imagens de erotismo de um filme démodé: Quatro meses e meio.



Como cantava um correlegionário quando o fado lhe não saía de todo, e a única coisa que lhe vinha à cabeça era o que tinha na frente:
O microfone é,
O microfone é,
O microfone é
Esta bola que agora está em pé.

É a ausência de uma noção de fundamento e função do poder que arrasa qualquer autoritas e desnuda qualquer potestas: do esqueleto, resta a osteoporose; da osteoporose, o diagnóstico; e em breve, do diagnóstico a primeira página, de um título que nada diz.
E porque parece que nada mais aprendemos senão aquilo que nos ensinam, viveremos alegremente até ao momento eleitoral, entre o brumário e o frimário, esquecendo que Rousseau teria alguma razão quando, referindo-se aos ingleses, dizia que estes tinham a ilusão de serem livres no momento do voto, o único momento em que realmente o poderiam ser. Mas para o uso que desse direito faziam, melhor fora que o não tivessem.

sábado, dezembro 11, 2004

E há falta de razões suficientes ...

Noticía hoje o Expresso que Nuno da Câmara Pereira, que se diz fadista, está disponível para integrar as listas do PSD à AR.



É (as)salto que vamos à feira. Não houvesse já valente razão para a Lei de Gresham entrar em vigor, é ainda preciso alterar-lhe o âmbito da previsão normativa (e o prazo de vacatio legis, pois que publicada no jornal oficial parece já ter sido): não são apenas os políticos a afastar pelos bons. Quem sabe se não é preciso um verdadeiro fadista - ou um verdadeiro poeta - para acabar esta rima.
Com certeza que estamos todos empenhados na causa nacional. Mas quanto ganha um fadista? E quanto ganha um que se diz fadista? Bem, menos que o primeiro, regra geral.
E quanto ganha um deputado? E um que se diz deputado? Exactamente o mesmo.
Ah, charanga com fanfarra que marcha em verso de puta!
E parece que vai demitir-se, o ladrão enamorado. Não sabemos o que fará com a gargantilha; só sabemos que amanhã é domingo, e 2.ª feira ... another working day.



sexta-feira, dezembro 10, 2004

...de Garret, em tantos de nós, ...



(João Leitão da Silva; n. 4 de Fev. 1799 - m. 9 de Dez. 1854)

Nos 150 anos da morte do português, vale a pena recordar as diversas facetas, quem sabe se não - em parte - antecipadamente pessoanas. O Garrett político é de um interesse tão actual que não o comentarei, remetendo para um Inédito saído ontem com o Público, que aqui vai na íntegra.

Da sua obra política, é bom espreitar a recolha - já com uns anos - da Editorial Estampa, Obras Completas de Almeida Garrett, n.º 6 (Obra Política - Escritos do Vintismo (1820-23)) e n.º 7 (Obra Política - Doutrinação da Sociedade Liberal (1824-27)). Neste último n.º, são especialmente interessantes os textos Da Europa e da América e de sua mútua influência na causa da civilização e da liberdade, e Carta de Guia da Eleitores em que se trata da opinião pública.
Mas notem, que de Garrett há em tantos de nós ...

"Carta da Almeida Garrett ao político e amigo Rodrigo da Fonseca Magalhães
"Pensa", escreve Garrett em 1846 ou 1847 ao seu amigo, nesta carta inédita que pertence à Biblioteca Nacional. "E se julgares que podemos com um acordo perfeito, íntimo, mas secreto, fazer algum bem a esta pobre terra, avisa das horas mais convenientes de te ver." Estava-se em plena Guerra da Patuleia, a sangrenta guerra civil que dividiu o país entre liberalistas e miguelistas, e Garrett oferece-se para ajudar. O "acordo", se existiu, manteve-se mesmo secreto. Não se sabe qual foi - se algum - o envolvimento de Garrett nos bastidores
5ª feira
[...]
Meu Rodrigo, aproveito esta ocasião para te pedir que estejas bem em guarda para te não deixares comprometer com certos sujeitos que nós sabemos. Olha que eles nada te podem dar, e se te pudessem dar alguma coisa, não ta davam. Se se chegam para ti é porque sabem que nada têm, e fazem de vampiros para viver do teu sangue. E depois uma de duas, ou te hás-de desfazer deles, e chamam-te traidor, ou os aturas e alienas de ti os verdadeiros valores. No meio destas ruínas em que está Portugal tu podes ter uma bela missão.
Isto é como o terramoto de 55: nós não o fizemos, tu não o fizeste. E o que se incarregar de levantar a cidade caída não é responsável pelo que a deitou abaixo. Esta opinião e modo de ver não é meu, é de muita gente, e poderemos fazê-lo ser do maior número se se for com tento e firmeza.
Tu bem sabes que eu não costumo oferecer-me para nada; mas também sabes que sou amigo verdadeiro e eficaz quando a consciência da razão e da alma se juntam às minhas simpatias pessoais. Eu digo a todos que não sou de políticas, e que abdiquei, mas a ti digo-te que escolhi de propósito e de longamão esta posição insuspeita porque vi do princípio que por bastante tempo outra era impossível com proveito público. Creio que me não inganei. Assim vejo todos, e com todos falo em negócios que de outro modo não são tratáveis.
Se vires que podemos falar sério e com proveito nestas coisas, e que convém, dize e falaremos. Os patuleus estão com mais senso do que os eu supunha.
Se se tenta alguma coisa, é preciso tentá-lo já, isto é, prepará-lo; e parece-me a mim que posso ajudar-te nalguma coisa, especialmente porque cuidam que o não pretendo.
Ora eu realmente para mim aqui nada quero.
Adeus. Pensa, e se julgares que podemos com um acordo perfeito, íntimo, mas secreto, fazer algum bem a esta pobre terra, avisa das horas mais convenientes de te ver. E tu bem deves saber que eu não sou poeta em prosa, e que todos valem mais que eu, menos em lealdade e certeza que ninguém mais que eu vale. Teu dedicado amigo
J B A
G"

quinta-feira, dezembro 02, 2004

Jacobinismos e surfistas do "Ancien régime"

Cautelas: o que se segue apresenta maiores perigos do que o que antecede. Tão comum quanto as decapitações é a ascensão dos algozes, e não menos a execução sumária destes por parte dos reconvertidos, dos da sombra, dos que já foram outra coisa que é a mesma coisa que a coisa que se vende aos que procuram outra coisa.
A dúvida é se conseguimos evitar que ao "Deixem-nos brincar" se siga o "Agora somos nós a brincar". O momento é mais delicado do que aparenta, e só quando o Halley passar novamente a hipótese se renovará. É certo - ou mais do que provável - que o encantamento de uma re-volução vai inebriar nas páginas dos jornais, nas carnaxides, e niguém terá tempo para dizer o que quer que seja.
Como dizia Pacheco Pereira, para mudar as coisas é preciso não gostar do que está, visceral e arrebatadoramente. Não é provável, porém.
Há muito a explorar e que deve ser desnudado nos tempos mais próximos.
[segue]